segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

MULTICULTURALIDADE: REPENSAR A INTEGRAÇÃO SOCIOEDUCATIVA

Multiculturalidade consiste na coexistência de diversas tradições culturais e dos grupos humanos que as praticam e as representam em um mesmo âmbito de organização social.

Os tempos da pós-modernidade contribuíram para promover certas idéias sobre a inevitável coexistência cultural e defenderam as qualidades da multiculturalidade. Diferentes discursos foram se apropriando delas; alguns, bem-intencionados, desenvolveram-se pela necessidade de renovar a linguagem emancipadora e os fundamentos da crítica social; outros, com intenções mais suspeitas, servem-se delas para mascarar princípios ideológicos responsáveis pelas profundas e crescentes desigualdades que podemos ver em todas as escalas, pelo efeito dos modelos de desenvolvimento econômico neoliberais.

O fato de assumir positivamente a diversidade cultural, de entender que a característica mais relevante da experiência humana é a variabilidade, de perceber que a multiculturalidade, não só agora mas como sempre, tem sido a experiência humana comum das sociedades complexas, somente pode nos satisfazer momentaneamente. Conhecer melhor o conjunto de estratégias de adaptação, as instituições, os universos simbólicos e as visões do mundo contrárias à nossa, não evita imaginá-los acima ou abaixo de nós e de nossa posição.

No contexto complexo de relações interculturais cabe reconhecer a capacidade que tiveram algumas cidades de funcionar como elemento para lembrar a “questão comum”, a possibilidade de trabalhar por uma cidadania compartilhada e para consolidar uma inscrição identitária acima das outras identidades específicas, mais ou menos ativas, dos grupos que a compõem.

Apesar do marco de oportunidades que pode representar o tecido urbano e a coexistência constante e visível que provoca, o espaço de interação real por excelência agora é a escola, na qual as relações sociais obrigatórias entre minorias e maiorias ocorrem diretamente. É possível e necessário criar as condições, dentro e fora da escola, para uma acomodação sem assimilação, para uma aculturação aditiva para as formas culturais comuns no espaço compartilhado, para as culturas escolares e para os conteúdos escolares.

Segundo as definições em uso, que se caracterizam pela ambigüidade, a cidadania é a condição e o direito que têm aqueles que pertencem a uma comunidade política constituída em Estado, que expressa o vínculo existente entre este e seus membros. É muito difícil encontrar uma solução para reconciliar os direitos individuais comuns e os direitos do grupo, supondo que seja necessário “protegê-lo” do etnocídio cultural. Encontrar o equilíbrio e estar disposto à recriação cultural é muito mais difícil do que celebrar a diversidade e negociar com os controvertidos “mediadores culturais”. Inclusive, é muito mais difícil construir um projeto educativo compartilhado, para compartilhar e para melhorar o futuro.

O fracasso e a violência escolares são só um reflexo do fracasso e da violência gerados pelas relações sociais desiguais. Devemos pensar que o fracasso será nosso se somente selecionarmos aquela parte de nossa memória que nos parece mais digna e que nos distancia dos outros, se não conseguirmos ver que delegamos e confinamos a socialização civil à escola e que corremos risco de desaprender a sociabilidade urbana. Não podemos permitir que a experiência urbana seja desvinculadora para nenhum grupo, que a escola renuncie à transformação intelectual que surge das relações verdadeiramente interculturais, perdida entre a tela da tecnicidade e da percepção da fatalidade.


CARRASCO, Silvia. Multiculturalidade: repensar a integração socioeducativa. In: GÓMEZ-GRANELL, Carmen; VILA, Ignacio (orgs). A Cidade como Projeto Educativo. Porto Alegre: Artmed, 2003.